Relato de Parto - Ribeirão Preto - SP - Marina Borges - Nascimento Clarice
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Relato de parto normal hospital feito pela Marina sobre o nascimento da Clarice
"Dia 28 de março de 2022, segunda-feira. Eu passei o dia completamente imprestável: moleza, falta de vontade, calafrios. Pensei: "não é possível que vou gripar agora!", afinal, estava com 38 semanas e 5 dias, ainda no pique para deixar várias coisas adiantadas no trabalho e esse dia estava sendo como um dia perdido. Me permiti descansar. A noite veio uma vontade de chorar, daquelas que aparece quando a gente está mole de dodói, mimizenta, sabe? Hoje eu entendo, estava me despedindo. Eu não fiz despedida ou desenhos na barriga, apenas tiramos umas fotos em casa com uma amiga no dia anterior, domingo. Eu nem ia tirar foto, estava desanimada com isso, mas Gabi insistiu e uma super amiga prontamente se colocou à disposição, só pra não perdermos essa recordação.
Enfim, quis dormir mais cedo. Por volta das 3h30 eu acordei, já acostumada às longas idas ao banheiro. Sentia um desconforto na barriga, como uma cólica menstrual bem levinha. Mas eu me mexia na cama, ela passava e eu dormia de novo. Até que então por volta das 4h estava de pé de novo, outro xixi e outra dorzinha. Dessa vez ao passar o papel vi uma gotinha clara de sangue. Fiquei assustada. Tinha algo errado? Esperei. Fiquei ali. Outro xixi. Outra gotinha. De repente água saindo, não era xixi. Muito inocente eu pensei: "tá de sacanagem que vou ter incontinência uma hora dessas!". Gabi ainda dormia na cama quando eu a chamei de mansinho. Ela perguntou se eu queria ir para o hospital, eu disse que não. Olhei no whats e nossa enfermeira, a Thai, estava online. Mandei mensagem 4h15 e ela estava num parto, mas me respondeu rapidamente. Perguntou da dor, mandei foto do xixi, da água. Em seguida passei novamente o papel higiênico e uma secreção muito diferente estava lá. Mandei foto e a resposta me deu um arrepio na espinha: "Tampão. #VemClarice". Mostrei a mensagem pra Gabi, ainda sonolenta. "O que a gente faz?", ela perguntou. Eu até tentei voltar a dormir, mas não conseguia parar de pensar. "Faz assim, você dorme e descansa, não sei quanto tempo isso vai levar e preciso de você comigo. Quando a dor aumentar eu te chamo. Vou ficar na sala", eu disse. E assim fizemos. Por volta das 6h30 mandei mensagem pra minha mãe: "Bom dia! Tudo bem? Não se desespere, mas estou entrando em trabalho de parto". Não tinha um jeito menos pior de contar! Ela mandou áudio, mas nem deu tempo de ouvir e já estava me ligando. Tive umas 3 contrações com ela no telefone, a essa altura eu já precisava parar para respirar em cada uma delas.
7h30 chamei a Gabi. "Faz café, preciso comer algo, tá ficando difícil já." Nem deu tempo. Fui para o chuveiro pouco tempo depois. A água quente ajudava a amenizar a dor. Dali pra frente eu lembro de estar sentada no chão e dizer: "chama a Lidi", nossa doula, nosso anjo cuidador. De repente fechei os olhos. A dor ficava intensa, eu precisava me concentrar. Já não respondia tanto. Quando abri os olhos estavam todas lá, doula, enfermeira, fotógrafa, Gabi, Bê e Olivia. As dores já me tiravam suspiros mais altos e o Bê e a Olivia perceberam que eu sofria. Eles sempre foram muito apegados e queriam estar comigo o tempo todo, estavam dificultando o acesso da equipe. Gabi chamou meu pai para buscá-los, eles também estavam ficando estressados. A Thai ouvia os batimentos da Clarice o tempo todo, além de sentir no toque. Ela demorou muito pra descer.
Por volta do meio dia eu já não aguentava mais. "Preciso de anestesia, quero ir para o hospital!". Eu já tinha vomitado de dor, só a água quente ajudava a amenizar. Começamos a nos arrumar, pareceu uma eternidade. Vomitei de novo antes de entrar no carro. Foi a primeira vez na vida que vomitei de dor! A dor da contração é exatamente como uma cólica menstrual, mas muito forte. Ela tem começo, meio e fim, você sente que quando está começando e sente quando está indo embora.
Chegamos no hospital e a recepção ainda demorou uma eternidade para nos liberar. A essa altura eu já não tinha mais vergonha de vocalizar a dor em público. Nem percebia a presença das pessoas! Chegamos no quarto e elas logo prepararam a banheira. Ufa, água quentinha de novo! A dor apertou o passo. "Não quero mais, não aguento mais!" eu repetia. Mal sabia eu o quanto ainda aguentaria! Acredito que era umas 14hr quando recebi a analgesia. Eu estava sentada na maca do centro cirúrgico esmagando as mãos da Thai em cada contração, quando a anestesista super delicada e gentil me orientou e fez a aplicação. Antes que perguntem, não doeu! Senti como se tivesse tomando uma vacina, apenas uma picadinha. Em questão de segundos as mãos começaram a relaxar, o sorriso voltou ao rosto. Mas o corpo todo começou a pinicar e coçar! "Gente isso é normal?" eu perguntei. "Você trocou a dor pela coceira!", a anestesista respondeu. "Então deixa coçar!" eu respondi já rindo. Voltamos para o quarto. Tudo leve! Sentei na cama, comi, bebi. Deitei de ladinho e dormi por o que acredito que tenha sido duas horas. Aos poucos a dor foi voltando, leve como no início da manhã, mas crescendo rapidamente. Começamos a andar pelo corredor para estimular a pequena. Preciso dizer que até esse momento cada contração foi sentida a muitas mãos: Lidi, Thai e até Karol soltou a câmera e massageou minha lombar. Que baita diferença fazia! As contrações sem vocês eram muito mais difíceis!
Gabi me acompanhou pelo corredor junto da Lidi, nossa doula. Exercícios na escada, agachamentos, passos de ladinho. Era hora de tentar a banqueta. Agarrei as pernas com força e era hora de empurrar. Além de toda essa equipe tinha comigo a dra. Flávia, nossa obstetra querida! Que observava cada detalhe sempre com um olhar amável. Isso somado às palavras de incentivo da Thai a cada contração, "Isso Ma! Excelente! É essa força!", e o apoio e carinho da Lidi me apoiando as costas, me lembrando de ficar menos tensa, além do cuidado da Gabi esfriando meu rosto com compressas molhadas, tudo isso me deu forças para continuar.
Confesso que eu não imaginava que iria conseguir. Chega uma hora em que a força vai embora, o corpo está fraco, a dor te nocauteia. Você quer que acabe.
Como num sopro de esperança a Thai e a Flávia me perguntaram: "você quer sentir a Clarice?" e eu topei! Devagarinho inseri meu dedo e quando fiz força o topo da cabeça dela encostou no dedo! Abri um sorriso imenso e logo comecei a chorar. O primeiro toque, ela ainda dentro de mim, que especial!
A força voltou e logo ela coroou. Foi nesse momento em que eu senti o que era dor de verdade. Arde tanto que eu entendi porque chamam de círculo de fogo! Sinceramente? Eu queria empurrar ela pra dentro de novo pra dor passar! Mas agora não tinha volta, era pra fora mesmo!
Nesse meio do caminho Gabi já estava muito ansiosa. Quem conhece sabe que ela tem dificuldade com procedimentos médicos, sangue, agulhas e afins. Mesmo assim ela aguentou firmemente durante todo o processo. Mas na hora do expulsivo ela precisou respirar ar puro algumas vezes. A coisa fica intensa, acredite! É muito sangue, suor e energia. É a vida que se desfaz pra que outra chegue.
Dra. Flávia chamou a dra. Cássia, nossa pediatra. Era oficial: Clarice estava chegando. A Lidi chamou a Gabi de volta e a posicionou atrás de mim. Numa das forças vi a Flávia se esticar pra frente e então ela veio! Às 18h10 da terça-feira dia 29 de março de 2022 Clarice saiu escorregando de dentro de mim direto para meus braços. Eu ouvia as vibrações de todas na sala, uma sala repleta de mulheres fortes. Ouvia o choro entalado na garganta da Gabi no meu pé do ouvido. Poucas vezes na vida a vi emocionada como naquele momento! Ouvi que tocava Djavan. Olhei para Clarice e ela deu um chorinho, meu coração explodiu como num encontro que estava premeditado por uma vida toda. Eu disse a ela: "Filha! Seja bem vinda, meu amor! Chora, meu amor, pode chorar que a mamãe tá aqui. Ai eu te amo! Eu te amo! Eu te amo!", e quero que ela se lembre pra sempre o quanto foi desejada e bem recebida. Toda vez que revejo o vídeo desse momento lágrimas escorrem. É um misto de amor, alívio, orgulho, emoção. Nem sei descrever direito!
É incrível como nosso corpo e mente agem. Uma vez que ela estava no meu colo, eu me levantei e caminhei até a cama subindo praticamente sozinha, com ela nos braços, como se não tivesse feito força brutalmente por 14 horas!
Tivemos nossa golden hour encantada. Clarice no meu colo, aprendendo a dar as primeiras sugadas no peito, seu corpinho pequeno todo esbranquiçado do vérnix. Eu contei cada dedinho. Eu olhei fundo nos olhos escuros e espertos. Eu cheirei o topo da cabeça até cansar. Eu disse que a amava incontáveis vezes. Ficamos ali, no nosso infinito particular, mesmo rodeada de outras pessoas, parecia que nosso mundo se resumia a nós. A placenta veio logo depois numa forcinha extra, foi arremessada no pé da cama! Pronta pra virar carimbo nas mãos da tia Lidi.
Dali pra frente vocês já sabem. Alguns cuidados médicos pra mim, alguns pra ela. Peso, medida, vacinas. Ela toda de amarelo e com o dedinho na boca, igual ficava na barriga. Eu e Gabi nos reencontrando com nossa menina no colo. Choro e emoção! Sonho realizado!
Muita gratidão a todas as profissionais que nos acolheram e respeitaram cada segundo desse processo incrível de transformação e (re)nascimento! Clarice veio para uma família com duas mães fortes, mas até chegar aqui foi guiada e cuidada por mulheres incríveis, fortes, decididas. Tudo o que eu desejo pra ela na vida!"
Equipe de Parto em Ribeirão Preto
GO: Flávia Junqueira
EO: Thaiane Caetano
Doula: Lidiane Balieiro Pediatra: Cássia Bonacasata
Hospital São Paulo