Interferências no Parto - Por Dra. Daniella Leiros - Ribeirão Preto - SP
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Hoje vamos falar aqui sobre as interferências em um trabalho de parto, que vão MUITO ALÉM das interferências faladas nos "manuais" de interferências desnecessárias como a ocito sintética sem correta indicação, ou determinação de posição, ou privação de alimentação.
Vamos falar sobre as interferências sutis, que podem sim atrapalhar o bom andamento do trabalho de parto.
Dra. Daniella traz pra gente a visão de doula e fisio nesse momento:
INTERFERÊNCIAS NO PARTO
Muito se fala das interferências de um parto, das intervenções necessárias e desnecessárias que atrapalham a fluidez dele.
Mas você já parou para pensar que essa fluidez pode ser atrapalhada por uma mínima coisa?
Fluidez que muitos chamam de um parto liso, sem intercorrências, redondo... São muitas as denominações.
Mas é mais o como a gente pode não atrapalhar a fisiologia da mulher.
Vou tentar explicar.
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Nossa própria PRESENÇA já é uma interferência.
É preciso primeiro de tudo pensar em QUANTAS PESSOAS estão ou estarão presentes nesse parto. Precisamos ter cuidado para ela não se sentir acuada, observada, a mulher precisa se sentir livre, no lugar dela, no corpo dela, no momento dela.
Muita gente no trabalho de parto e no parto pode minar essa concentração dela com ela mesma.
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O nosso OLHAR nela e pra ela é outro fator. Está sendo conformador ou confrontador?
A gente precisa se conectar com essa mulher e muitas vezes sentir o que ela está sentindo, precisa estar ali de corpo e alma.
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A nossa presença precisa ser numa posição mais passiva.
O ativo do momento é a mulher, eu, profissional, sou apenas mero expectador.
A gente tem que deixar essa mulher se mexer, se entregar, escolher o que fazer e como se movimentar durante este parto, parto que é dela, inclusive.
Não sou eu quem vou direcionar o movimento. Apesar de ser fisioterapeuta, eu vou observar essa mulher e minhas sugestões de movimentos ou exercícios são apenas sugestões.
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Cabe aqui o FALAR. Como você fala com essa mulher?
O seu tom de voz, a velocidade da sua voz, a que distância você vai falar dela. Saiba o seu lugar, saiba como estar presente, saiba como ajudar.
Rigidez, gritaria, inflexibilização não combinam com quem atua no parto. Voz baixa (muitas vezes nem voz precisamos), fala calma, fala que abraça, que atende, que compreende, sussurros na hora certa e no momento certo. Como saber? Se entregando ao momento, sentindo.
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E esse é outro ponto, estar presente de CORPO e alma.
Nossa vida é cada vez mais intelectual e nosso corpo é muito negligenciado nos dias de hoje.
Durante um parto, o excesso de sensações e vivências são desafiadoras para nós que estamos ali presentes. É preciso sentir o nosso corpo, se ele está travado, se a respiração está travada. Se eu fico mais num estado de estresse do que de relaxamento, todos ali da sala tendem a ficar em estado de estresse junto.
Se eu estou na sala sem perceber, sem consciência, meu corpo ali, minha mente ali, mas não estou ligada, centrada, eu entro na tensão e vou interferir sim neste trabalho de parto.
A minha percepção corporal e a minha mente precisam estar ali de verdade, por inteiro.
O inconsciente direciona muito mais as coisas presentes e a relação desse coletivo é inconsciente.
Temos que ajudar essa mulher a se conectar com esse corpo e essa conexão pode começar desde a gravidez, mas não termina no parto, se perpetua além dele.
E como vou ajudar a mulher nessa conexão se eu mesma não a tenho com o meu corpo? Difícil, não é?
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O AMBIENTE do parto é muito importante. Tem gente que nem dá importância pra isso, profissionais e parturientes (a mulher que está parindo), mas meu papel como profissional do parto é sim me preocupar com isso.
Como está a LUZ, a TEMPERATURA, os CHEIROS? Está bom para a mulher? Olhe para ela, sinta com ela. A luz está incomodando? Tem pouca luz? Regule a intensidade.
Ela está vermelha? Suando? Está gelada? Ajuste a temperatura.
Não é a sua sensação, é a da mulher, perceba-a.
O cheiro está bom? Irritante? Temos a aromaterapia. Veja se o óleo ou o aromatizador que você está usando não a está deixando incomodada.
As necessidades de cheiros também mudam de acordo com as fases de trabalho de parto e o parto.
O SOM está adequado a fase? Está de acordo com ela? Às vezes a mulher gosta da música, até escolheu aquela música na playlist, mas naquele momento ela não quer ouvir aquilo. Ou o volume da música está baixo, alto. Precisamos prestar atenção nisso também porque ela não tem forças para falar ou não quer falar para não parecer chata, não incomodar.
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No olhar a essa mulher, veja se ela está se ALIMENTANDO, se hidratando, se fez xixi, está com o xixi preso, se sente a vontade de fazer xixi com alguém por perto? Precisa fechar a porta? Deixe-a livre, mas fique de ouvidos abertos.
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O entra e sai do ambiente, o mexe e remexe de pessoas, o muda muda de posição. Tudo isso interfere. A mulher se desconcentra. A mulher olha. A mulher presta atenção
à movimentação e “esquece” dela mesma, do que estava sentindo e vivendo.
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Outra coisa que me irrita bastante e que eu luto sempre é o FALATÓRIO dentro da sala (ou quarto) de parto.
Precisamos lembrar que aquele é o momento da mulher e conversinhas desnecessárias vão tirando a mulher daquele eixo, daquela conexão, daquele viver as suas sensações.
E olhe que estou falando de conversa desde o início das contrações, nas fases mais iniciais mesmo, que podem atrapalhar sim.
Conversem o mínimo possível e se há o que conversar entre equipe, aprendam a conversa dos olhares ou das palavras únicas que significam uma frase. É só uma questão de vivência e aprimoramento.
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Precisamos gerar e manter um espaço tão calmo, mas tão calmo que ela nem vai lembrar que estávamos lá.
Esse apoio suave e reconfortante é só o que a mulher precisa para encontrar a sua força e a sua vontade internas.
Sim, encontrar, pois ninguém empodera ninguém, a gente ajuda a mulher a se encontrar, a reconhecer aquilo que estava dentro dela.
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A abordagem corporal é uma coisa pouco falada, estudada e entendida.
Precisamos integrar corpo, mente e espírito. Os nossos e os da parturiente.
Parto é corpo, sensação pura, não tem cabeça pensante nenhuma que sobressaia a isso.
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A quantidade de amor e admiração que eu sinto acompanhando um parto é algo difícil de explicar
Eu sinto coisas no meu corpo junto com aquela mulher.
Já fiz força no expulsivo junto com ela, já chorei junto com o nenê, relaxei com a mãe e tive vontade de abraçar todo mundo, envolvê-los nos meus braços num mix de prazer e relaxamento. E eu não estava parindo, estava apenas ali.
A gente tende a repetir o comportamento da mulher.
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Quando a gente fala de fluidez no parto, a gente não fala de CONDUZIR EXERCÍCIOS para a mulher.
Se eu sempre preciso conduzir exercícios, eu perdi a minha condição de passividade, de contemplação.
A fluidez do parto deve ser trabalhada desde a gestação.
Por isso as mulheres que eu acompanho, sempre passam por mim no consultório, não importa o tempo que temos até o parto, precisamos conectar esses corpos, essas mentes. Precisamos nos conhecer, nos entender.
E é durante a gravidez que eu ajudo essa mulher a se conectar com ela mesma, a se conectar com o seu corpo para que durante o parto, eu só sussurre no seu ouvido uma única palavra que automaticamente seu corpo lembra de um ou outro movimento e o faz sozinho.
Eu não conduzo exercícios, eu penso neles de acordo com a biomecânica, “canto” para ela e ela sozinha o faz.
Eu costumo dizer que não existe movimento correto, reto, simétrico, é o corpo dela quem vai conduzir como o movimento que será feito, a velocidade, a amplitude, a direção... eu apenas sussurro, ela conduz.
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A equipe, dependendo de como leva esse parto, trava essa fluidez deleto e isso compromete o trabalho de parto inteiro.
Essa relação de sentidos, de percepção, do estar presente, tem que ser desenvolvida pela equipe que está acompanho a mulher.
Precisamos viver no próprio corpo, as experiencias do movimento para saber sentir, para perceber o outro, para entender o time do que fazer, como fazer ou não fazer.
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Vem comigo sentir para conhecer o seu corpo?
Dra Daniella Leiros - fisioterapeuta, acupunturista e doula (A Sua Hora - serviços de apoio materno infantil)
O meu trabalho como fotógrafa de parto é seguir a premissa do silêncio, de trabalhar de forma tão discreta que minha presença não seja percebida nem pela parturiente nem pela equipe.
Preservar o sagrado do nascer tem relação direta com o respeito de cada etapa do trabalho de parto, cada fase do trabalho de parto tem suas características e peculiaridades, e é necessário estar nesse universo de cabeça para ter o entendimento e percepção de cada pequena mudança nesse trajeto lindo do nascer!
E mesmo quando o nascimento se encaminha para uma cesariana o respeito ao momento de nascimento da familília deve ser respeitado, mantendo o silêncio, mantendo o registro respeitoso, amoroso, observando e sentindo para que o registro cumpra o seu papel de contar ao longo dos anos sobre o dia mais especial de uma família, o dia que um novo amor chega ao mundo, aos cuidados, dando um novo sentido para a vida de cada integrante dessa história.
Fotografia de parto e de nascimento não é uma fotografia expositiva, mas sim intimista, honrando a confiança em poder olhar e guardar a nova vida.